domingo, 25 de janeiro de 2009

A Sardinhada


Num dia quente de Agosto sai para uma sardinhada no pinhal. O local escolhido é a zona ribeirinha da praia da Vieira, logo a seguir a passar a ponte a caminho do Pedrógão.

Vesti a minha camisa azul, com comboios pintados de verde e flores em rosa, os meus calções do atletismo (estava mesmo calor) e os meus chinelos pretos da Speedo, aqueles que uso para ir à piscina uma vez por ano.

Sai de casa com os meus óculos de sol e o meu boné de Portugal, em direcção ao meu carro que se encontrava à porta de casa.

Com a janela aberta e o braço de fora, segui em direcção à Sardinhada

Já eram bem perto da uma quando lá cheguei... Um misto de cheiro a caruma e sardinha já se sentia no ar. Veio o chapéu, a manta, o grelhador e o carvao. Fodax!!! Não é que me esqueci da puta das sardinhas?

Eu bem que estranhei o habitual aroma a pinho do ambientador do meu carro não se ter alterado. Lá deixei em cima da bancada da cozinha.

Agora já cá estou... e não vou voltar à Moita da Roda por causa das sardinhas. Tudo se há de resolver...

Não havia um metro quadrado que não tivesse um toalha ou uma manta de retalhos em cima.
Familias inteiras que, praticamente, trouxeram a casa para o pinhal, tal não era a quantidade de adereços que compunham o piquenique.

Tudo isto fez-me pensar... O que faço eu aqui, sozinho?

Mas eis que então vindo de longe, oiço um grito a chamar por mim, era a Graçinda, aquela ninfa de 100kg, dona de uma taberna muito popular na Moita da Roda. Aproximo dela e relembro as tardes que passo a comer pasteis de bacalhau e sandes de toresmo tal é o aroma a oléo queimado que por vezes confundo com o do mecanico da minha Zundapp.

De seguida pergunto-lhe:
- O que fazes por aqui?
- Vim a despedidada de solteiro da Marisa a filha torneiro.

Eu respondi:
- Do Torneiro? Aquele que esteve emigrado na Suiça, e que casou com a prima cega da Joaquina dos Tremoços, que vive logo a seguir ao terceiro pinheiro depois da fonte seca?
- Sim… Esse mesmo. A filha dele casou com um rapaz muito bem posto.
- N´Acredito! Aquela entravada arranjou um homem? Aquela mulher com a verruga na cara, e que parece com a porca do Ti´Jolas?
- Essa mesmo… apesar de achar que estás a exagerar. Ela é uma moça bem bonita.
- Casou com quem?
- Casou com o rapaz muito bem posto na vida… Casou com o borra estradas da junta de Freguesia.
- Muito bem. E falando de ti... Estás bonita! Sempre a espalhar o teu charme gorduroso e o teu cheiro a óleo depois de fritar uns carapauzinhos. Vamos para traz daqueles arbustos?
-Ai Jasus, tás maluco filho dum diabo? Achas que eu, Gracinda, dona de uma tasca na Moita da Roda, vou pa trás dos arbustos cum raio d'um home assim por assim? Nem penses!!! Apaga-me um lanchinho de sardinhas assadas e uma vinhaça, e depois agente conversa!!
-Pois Gracinda, é por causa disso que a Marisa vai pi acima com um noivo entalado debaixo dum braço e tu estás aí vesgarolha e solteira! ... Mas prontus, como a eu me estava também a apetecer umas sardinhazitas, vais compra-las e depois eu logo resolvo se ainda te quero limpar as teias de aranha aí bo bujón!
-Ai Jaquim Manel, meu zébode, na me fales assim que até se me aderreto!

Assim como combinado, a Gracindinha foi pela praia da Vieira acima para comprar umas sardinhitas e eu, Jaquim Manel, resolvi ficar aqui deitadito na minha manta de retalhos a cocá-los e a trincar uma broazita.

Estava eu quase a adormecer qdo ouço:
- Joaquim Manuel! És tu? Ai Meu Deus é mesmo ele!
- Mããããããe, anda cá ver! É o Joaquim Manuel, aquele que namorou comigo e q quando fizeste anos te ofereceu um balde e uma esfregona p lavares melhor o chão.

Eis que ouço esta voz .. Esta moça só podia ser a filha da Cremilde! ( aparece o nevoeiro, o som da Harpa, e eu começo a relembrar os tempos em que conheci a Cremilde) .... era Verão, um verão à séria ! Todo eu suava, acumulava muco em partes do meu corpo que nem conhecia..

Naquela altura era um jovem a passar umas férias de sonho na praia da Mina. Sim, naquele tempo os meus pais eram pessoas abastadas! Tinha ido tudo para o parque de campismo selvagem da Mina, bem à beira da estrada e da Lixeira da Nazaré. Tal era a riqueza naquele tempo que "a gente" até se lavava todo pelo menos uma vez por semana, e uma vez por mês com àgua quente ! Verdade seja dita que no Natal perdiamos a cabeça e até se usava sabão .. mas voltando à Mina .. O verão era de sonho... 23 primos, 12 Tias e 2 tios numa tenda com 2 assoalhadas (os outros tios estavam na guerra pela Guiné).

A nossa tenda era bem conhecida lá pelo parque. Das duas assoalhadas, uma era usada para salgar a carne, fumar o presunto, fritar o coirato, destilar a aguardente, e arrefecer a cerveja, e claro, a telefonia para ouvir o jogo da Bola, ou melhor, os jogos do meu Benfica.

As manhas eram passadas a dormir, e a resacar do dia anterior, tais eram os repastos.. Lá pró meio dia começava-se a enfardar, acabando lá bem perto das três da tarde bem deitadinho na praia de pança cheia, e com a mine pra desmoer!

Belos dias de praia, na manta a destilar. Nunca fui muito amigo de àgua, primeiro porque lava, e depois porque não sabia a cerveja!

Mas tive um dia diferente.. veio ter conosco um tio nosso da França, Maçon de profissão, com 19 Leitoes.. foi comer até mais não! Este dia merecia um mergulho, até porque depois do festival ao almoço, nada melhor que uma banhoca na agua geladinha da Mina!

Não sei bem porque, mas senti-me mal depois daquele mergulho.. sempre disse que banho a mais só podia dar nisto.

Fui em direcção à areia, mas a minha pança não me queria deixar em paz .. Neste momento, e no meio de um vómito a saber a leitão, tropeço num garrafão de vinho daqueles de verga, e caio em cima de uma beldade! Cremilde, moça linda, bigode felpudo, dente pontiagudo, cabelo e patilhas.. Foi amor à primeira vista! Senti-me com o se estivesse no paraíso! Mas o segundo vómito não me deixava em paz ! ....

E eis que acordo com uma lambada no focinho! Que raio de sonho que tava a ter, até vomitar vomitei!!!

O raio de um garoto, ou garota, que ali andava resolveu que me havia de acordar à lamparina... Acordei bem chateado, estava eu a sonhar com a minha musa, até se me estava a babar todo!!

E onde é que andava a minha Gracinda? Eu aqui com a pança a dar horas e ela que nunca mais chegava!

Cheguei-me ao Manel dos Tremoços para ver se ele me pagava um mine e, não é que o raio do homem me diz:
- O moooçççooo tens a brigalheira aberta! Estás a arejar os tomates?
Eu respondi prontamente, enquanto os coçava:
- Estou… eles estão muito quentes e cheio. Daqui a pouco rebentam! Por acaso não viste a Gracinda?
- Olha outro!!! Queres ir para traz dos arbustos com a Gracinda?
- Olha outro? Quem é o Filho de uma Grandessíssima P*** que também quer? Vou-lhe já à cornadura…

O Manel dos Tremoços percebeu que tinha metido o pé na argola, mas mesmo assim respondeu:
- Tem calma moço!!!! Bom não vale a pena esconder-te a verdade, aqui vai - A Gracinda é uma maria vai com todos, ela faz-se de boazinha e santinha...mas ah Quim a verdade é que já o deixou de ser aos 13, quando o Zé da Picheleira lhe deu boleia para Peniche à troca de uns favores sexuais. E segundo consta, a moça é muito boa de boca....

Joaquim Manel estava atónito...como podia a sua Gracinda ser uma filha do diabo?!
-Na pode!!! Na pode, na pode na pode! Nã acredito em nada disso meu grande zébode! A minha Gracindinha de Jasus na pode ser uma Maria vai com todos, eu sei que nã é! Aquele bigode, aquelas patilhas e aquelha farfalheira só me há-dem pertencer a mim! A mim Jaquim Manel de Deus e a mais ninguém!!!
- Ela ainda é puraaa, pura como a puta da mãe dela a trouxe ao mundo, tenho a certeza! Ainda aoutro dia lhe pus um dedo debaixo da saia e ela não alevantou a saia como uma qualquer!
-Jaquimmmm, ouve-me, eu Manel dos Tramoços sei o que te estou a dizer. O Baltazar, o Manel Jaquim, o Asdrubalino do Souto da Capalhosa, o Leopoldo Leonardo, o Manel da Aurora, o Zé da tia Inácia e pelo menos mais o Armindo da Traineira, já lhe vasculharam tudo o que havia por vasculhar... Atrás da moita, no banco do carro, no pinhal, no farol, atrás do pavilhão...
Acredita home!!
- Ai Manel que te arrebento os cornos!!!

E eis que nisto chega a Gracindinha com uma canastra cheia de sardinhas...
- Jaquinzinho meu amor, olha que belas sardinhas eu comprei ao Zé da Tia Inácia para o nosso almoço...valeu a pena a espera não foi, minha bolinha de pêlo..

Pensava ele (ganda puta, andaste foi a comer com ele atrás dos arbustos, não foi?)
Nisto olha para a saia da Gracindinha e vê caruma presa na mesma..... Ah minha....

Nisto... há algo que lhe prende a atenção! Todo e qualquer sentimento de ódio ou traição se desvanece... Jaquim Manel prende os olhos no horizonte e fica com os olhos cheios de lágrimas... Sente-se com 8 anos!

Ainda se lembra... 8 anos de vida, era tão feliz! Ainda se borrava nas cuecas, levantava-se às 5 da manhã para ir com a burra para a serra plantar batatas...
Eram tempos felizes....

E agora ouve este som que lhe recorda como foi a infância que ele nunca teve. Era uma música mágica que o fez esquecer os zébodes todos que andaram a montar a Gracindinha...
Aliás, neste momento ele já nem se lembrava de quem era essa senhora...

Esta música elouquente estava a consumi-lo por completo, tanto que só uma sardinha com broa e 7 mines o fariam distrair!

Eram eles, eles estavam a chegar e ele não se conseguia conter.... Jaquim Manel começou a correr na praia da Vieira, qual Tom Sawyer na beira do Mississipi!?!

Era uma carrinha da Family Frost...

Turururururuuuuuuuuuu!
Turururururuuuuuuuuuu!
Turururururuuuuuuuuuu!
Turururururuuuuuuuuuu!

Sempre achei este som profundamente irritante, mas confesso que nunca o tinha ouvido num Domingo, e no meio dum pinhal... Mas que raio vêm estes gajos fazer para aqui???

Á medida que se aproximava, várias pessoas se iam levantando das mantas e caminhando em direcção à carrinha, acelerando o passo sempre a olhar para trás desconfiadas.

A curiosidade não me largava... É claro que me apetecia aquele gelado de bacalhau com natas que o meu avô me oferecia desde pequeno sempre que o FF passava lá na aldeia, mas se calhar era melhor meter qualquer coisa mais consistente no bucho antes. Não deixei de ir lá espreitar para perceber o que se passava. Não queria acreditar que toda a esta gente queria gelados de bacalhau com natas.

Furei pela multidão, entre sovacos e mangas cavas suadas, mas lá conseguir chegar na frente. Não é que os cabrões também já vendem sardinha fresca???

Conto escrito por:

- Daniel Sousa
- Inês Mota
- Ivone Ribeiro
- Marisa
- Miguel Neto
- Pedro Jácome
- Pedro Pinto

Sem comentários:

Enviar um comentário